segunda-feira, outubro 31, 2005

O caso Felgueiras e o Público

Aquando do regresso de Fátima Felgueiras a Portugal, o Público havia já relatado alguns dados do caso que envolve a autarca. Estes dados foram, na altura, desmentidos pela própria Fátima Felgueiras em carta ao Público e ao abrigo do direito de resposta. Nessa altura, o Público optou por não responder aos desmentidos da notícia. Diz José Manuel Fernandes, director do Público:

Algumas das notícias dadas pelo PÚBLICO nos dias seguintes ao regresso a Portugal de Fátima Felgueiras suscitaram desmentidos ou pedidos de clarificação. Algumas, apesar de nunca terem sido desmentidas pelos próprios, suscitaram tanta perplexidade que não faltou quem também exigisse esclarecimentos ao PÚBLICO. Um longo texto, publicado ao abrigo da lei do "Direito de Resposta" e da autoria da própria Fátima Felgueiras, também contribuiu para a confusão, apesar de nele a autora entrar em evidentes contradições.

O facto de tudo isto ter decorrido em plena campanha eleitoral e de a primeira sessão do julgamento de Fátima Felgueiras estar marcada para poucos dias depois do acto eleitoral levou-nos a optar por deixar passar a campanha eleitoral para darmos os devidos esclarecimentos num ambiente menos inquinado.

Eu acho que esta decisão do Público é muito dúvidosa e perigosa. Eu não estou nada de acordo com isto. Afinal, o dever de um jornal é informar e esclarecer. Como é possível que não se responda a uma pessoa que tem vindo a mentir constantemente e que é arguída num processo de corrupção como autarca, quando estava em risco a sua re-eleição? Provavelmente, a resposta do Público não teria feito diferença para o resultado das autárquicas, mas neste caso não há outra opção que não responder. Estas respostas podem fazer a diferença numa campanha eleitoral. Aqui não se trata de favorecer partido A ou B, aqui trata-se tão só de tentar impedir que uma pessoa que é arguída (e fortemente suspeita) por crimes de corrupção enquanto autarca seja re-eleita!

Esta parece ser mais uma prova de uma característica bem portuguesa: o chamado "horror à confrontação". Às vezes não há outra solução que não partir para o confronto. À boleia deste pudor dos portugueses com a confrontação, prosperam autarcas desonestos como Fátima Felgueiras. No final toda a gente se cala: ninguém diz nada, ninguém viu nada, "este não é o momento adequado para falar".

Fátima Felgueiras

O destaque do Público d'hoje, dedicado ao caso Fátima Felgueiras, é de fazer arrepiar os cabelos. A promiscuídade que alí é relatada entre poder judicial e poder político é, no mínimo, repugnante. Ficam aqui algumas citações de um dos artigos do público d'hoje:


No início de 2003, o procurador-geral da República tinha sido alertado para indícios de conivência do MP com a autarca, mas a iniciativa parece não ter surtido qualquer efeito. (...)

Já então eram sugeridas as pressões de que eram alvo aquelas testemunhas - recentemente também comunicadas pela PJ -, sendo igualmente relatados factos que envolviam um dos mais altos-quadros do MP, que desempenhava as funções de secretário-geral da Procuradoria-Geral da República na época em que foi remetida ao então procurador-geral, Cunha Rodrigues, a denúncia anónima que deu origem à investigação do "saco azul" do Partido Socialista.

Aquele magistrado - que actualmente é o representante de Portugal no "Eurojust" (organismo que coordena os departamentos da luta contra a corrupção no espaço europeu), depois de ter sido secretário de Estado da Justiça durante um dos governos do PS liderados por António Guterres - é suspeito de ter fornecido a Fátima Felgueiras uma cópia da denúncia enviada a Cunha Rodrigues, numa altura em que a PJ de Braga não tinha iniciado sequer as investigações.

O magistrado em causa tinha antes estado colocado no Tribunal de Felgueiras, altura em que fez amizade com o casal Fátima Felgueiras/Sousa Oliveira. O documento terá chegado às mãos da autarca durante uma deslocação daquele magistrado a Felgueiras, em 21 de Janeiro de 2000, para participar num jantar de homenagem a um funcionário judicial, facto que foi registado pela imprensa local.


Eu gosto disto. O mesmo magistrado que é suspeito de influenciar o processo e, portanto, abuso de poder, é o mesmo que representa Portugal no "Eurojust", o organismo que coordena os departamentos da luta contra a corrupção no espaço europeu. Se isto não é uma palhaçada é o quê?

E assim vai Portugal. Um paísinho à beira-mar plantado, que antes foi grande, mas que hoje já não interessa a ninguém. Porque ele é feito de pessoas mesquinhas e muito pequeninas, que estão mais preocupadas em alcançar o poder para seu próprio usufruto, do que o usar para contribuir para o bem comum, uma sociedade mais justa e um país mais civilizado. Pois, eu sei que sou ingénuo. Mas o que hei-de fazer?

quarta-feira, outubro 26, 2005

Rosa Parks


Ontem, morreu Rosa Parks, um dos símbolos da luta pelos direitos civis da comunidade negra do sul dos EUA, da qual emergiu Martin Luther King Jr como figura de destaque. No inverno de 1955, em Montgomery, capital do estado do Alabama, Rosa Parks recusou-se a dar o seu lugar no autocarro a um passageiro de raça de branca, desobedecendo, assim, à lei vigente na altura:

On Montgomery buses, the first four rows were reserved for whites. The rear was for blacks, who made up more than 75 percent of the bus system's riders. Blacks could sit in the middle rows until those seats were needed by whites. Then the blacks had to move to seats in the rear, stand or, if there was no room, leave the bus. Even getting on the bus presented hurdles: If whites were already sitting in the front, blacks could board to pay the fare but then they had to disembark and re-enter through the rear door.

Rosa Parks viria a ser presa por este seu gesto. E este evento dá início ao movimento de luta pelos direitos cívis por parte da comunidade negra do sul dos EUA, liderado por Martin Luther King. Esta lei de segregação racial nos autocarros de Montgomery viria a ser revogada, um ano depois, pelo supremo tribunal estado unidense, após um protesto que durou 381 dias em que os negros de Montgomery se recusaram a usar os autocarros da cidade. Seguiram-se, mais tarde, outras vitórias na luta contra a segregação racial nos EUA.

E o que é que isto tem de especial? Afinal, aquela lei é obviamente absurda? Hoje, ela é obviamente absurda, mas não era assim há 50 anos atrás. Foi preciso um gesto simbólico de coragem para iniciar um processo irreversível de mudança. Como vivemos uma época em que se glorifica o poder, o alinhamento com o poder, e o politicamente correcto, é bom recordar este gesto corajoso de Rosa Parks, que deu início a uma das páginas mais significativas na história da luta pelos direitos civis.

sexta-feira, outubro 21, 2005

Calúnia, difamação, cobardia e anonimato

O MST está em grande. Hoje no público mais uma boa crónica. Deixo uma citação do MST a propósito de um texto cuja autoria lhe é atribuída:

Circula na Internet, espalhando-se como fogo na pradaria, um texto intitulado Um crime na Ota, cuja autoria me é atribuída e onde, entre outras coisas, se afirma que o dr. Mário Soares seria um dos proprietários dos terrenos da Ota (...) Mas quem me conhece minimamente sabe que a calúnia não faz parte dos meus métodos de argumentação. Alguém, que não tem coragem para dar a cara pelas opiniões próprias e pelas difamações que produz, pegou no meu título e no meu nome e usou-os num texto onde não existe uma única palavra da minha autoria. Não é a primeira vez que, a coberto do anonimato e da cobardia mais abjecta que isso representa, encontrei textos na Net dedicados à difamação e calúnia de outrem - eu próprio incluído. Mas não esperava que houvesse gente capaz de usar o nome de outros para embrulhar a porcaria mental em que vive.


Devo dizer que este blogue é mais ou menos anónimo. Nós só assinamos com os nossos primeiros nomes. Mas nunca fizemos aqui acusações graves a ninguém sem utilizar informação que aparece na imprensa.

Sou obviamente contra a calúnia e a difamação, porque como o MST diz, e bem, são uma forma de cobardia. Mas devo acrescentar que compreendo aqueles que, como eu, preferem dar a sua opinião ao abrigo do anonimato. Porquê? É facil ser MST, outro qualquer cronista famoso, ou outra pessoa que tem o seu lugar de destaque na sociedade, e criticar aqueles que dão a sua opinião sem dar a cara. O problema são aqueles que querem expressar a sua opinião, e não estão ao abrigo de uma posição de "poder", "influência política", ou uma qualquer outra forma de defesa. O anonimato sempre existiu e irá continuar a existir. E não creio que a solução para acabar com a calúnia e a difamação seja o fim do anonimato.

sexta-feira, outubro 14, 2005

Good Stuff!

As crónicas de Miguel Sousa Tavares e Vasco Pulido Valente no público d'hoje sobre os resultados das autárquicas. O interessante é que parecem ter opiniões diferentes, mas, no fundo, dizem essencialmente a mesma coisa.

segunda-feira, outubro 10, 2005

A vergonha

As vitórias de Isaltino de Morais, Valentim Loureiro e Fátima Felgueiras na eleições para as câmaras de Oeiras, Gondomar e Felgueiras. Todos eles estão envolvidos em processos judiciais; Fátima Felgueiras é até arguida e esteve fugida à justiça portuguesa no Brasil.

Manda ética e o princípio da transparência que pessoas que estão envolvidas em processos judiciais não se candidatem a lugares públicos. Isto para dar credibilidade ao sistema político e para propiciar a confiança dos cidadãos no sistema. E até para criar um clima de confiança e de ética na nossa sociedade. Esperava eu que o eleitorado viesse castigar estas pessoas que se atreveram a candidatar nestas circunstâncias. Mas, pelos vistos, estava enganado. O eleitorado de Oeiras, Gondomar e Felgueiras não pensa como eu; e elegeu pessoas sobre as quais caem fortes suspeitas de abuso de poder e corrupção quando exerciam mandatos autárquicos nas câmaras para as quais foram agora re-eleitos.

Eu não sou inocentezinho. Sei que o mundo é injusto. E sei que, infelizmente, às vezes não há muito a fazer para combater a injustiça e a imoralidade. Mas, caramba, isto é demais!