Reacções a uma crónica desastrada
Eu até costumo gostar das crónicas do Miguel Sousa Tavares (MST). Mas a cronica da passada sexta-feira no Público foi um desastre (também aqui). De facto, no melhor pano cai a noda.
Pela Blogosfera lusa, inúmeras reações à crónica. Mas o texto que eu mais gostei é o da Fernanda Câncio no Glórial Fácil, especialmente na discussão sobre o exibicionismo — very good stuff!
Eu só quero acrescenter algumas coisas, a propósito de uma opinião expressa na crónica:
A minha resposta envolve uma breve história. Em Londres, conheci um neo-zelandês que antes de chegar ao Reino Unido tinha estado na India, em Calcutá se não me falha a memória, e vinha de lá um pouco chocado. Falou-me de inúmeras crianças abandonadas e que o transito era tão caótico e as pessoas tão insensíveis que era frequente estas crianças serem atropeladas enquanto mendigavam à beira da estrada. Disse-me que assistiu a uma situação destas e que ficou chocadíssimo porque o cadáver da criança atropelada foi deixado na beira da estrada e que as pessoas passavam como se nada tivesse acontecido. Ele tinha conhecido uma americana que se tinha afeiçoado a uma destas crianças e que, quase em desespero, se dirigiu às autoridades para a adoptar. As autoridades perguntaram-lhe se ela era casada, ao que ela respondeu que não. E como não era casada não podia adoptar a criaça, pois, alegavam as autoridades, a lei não permite, e a lei está certa pois uma mulher que não é casada não tem maturidade nem valores para educar uma criança. Ela respondeu qualquer coisa como: "Eu não tenho valores para dar a esta criança porque não sou casada? Mas que valores ou perpectivas de futuro vocês oferecem a esta criança? Ser atropelada por um carro?"
No contexto português, apetece-me fazer as mesmas perguntas ao MST. Que futuro e que valores oferece o estado português a uma criança abandonada? Ir parar ao instituto casa Pia? O melhor é nem dizer mais nada. Creio que uma criança preferia ser acolhido por um casal homosexual do que viver num desumano orfanato. Uma criança educada por um casal homosexual não será necessariamente homossexual (e mesmo que fosse qual é o problema?), as coisas não são assim tão simples. Mas acho, sinceramente, que um sensível casal homossexual pode dar uma melhor educação a uma criança do que um orfanato ou um insensível casal heterosexual.
Pela Blogosfera lusa, inúmeras reações à crónica. Mas o texto que eu mais gostei é o da Fernanda Câncio no Glórial Fácil, especialmente na discussão sobre o exibicionismo — very good stuff!
Eu só quero acrescenter algumas coisas, a propósito de uma opinião expressa na crónica:
nunca descobri em mim, vários exames de consciência feitos, qualquer orientação sexual homofóbica, e fui seguramente dos primeiros a defender publicamente a total igualdade de direitos, incluindo o casamento, para os homossexuais. Só não defendo o direito à adopção, porque aí, mais uma vez, entendo que o direito deles não se pode impor ao direito das crianças adoptadas, cuja vontade não é lícito presumir. E eu não posso presumir que uma criança não se importe nem venha a sofrer pelo facto de ser criada por duas mães ou dois pais.
A minha resposta envolve uma breve história. Em Londres, conheci um neo-zelandês que antes de chegar ao Reino Unido tinha estado na India, em Calcutá se não me falha a memória, e vinha de lá um pouco chocado. Falou-me de inúmeras crianças abandonadas e que o transito era tão caótico e as pessoas tão insensíveis que era frequente estas crianças serem atropeladas enquanto mendigavam à beira da estrada. Disse-me que assistiu a uma situação destas e que ficou chocadíssimo porque o cadáver da criança atropelada foi deixado na beira da estrada e que as pessoas passavam como se nada tivesse acontecido. Ele tinha conhecido uma americana que se tinha afeiçoado a uma destas crianças e que, quase em desespero, se dirigiu às autoridades para a adoptar. As autoridades perguntaram-lhe se ela era casada, ao que ela respondeu que não. E como não era casada não podia adoptar a criaça, pois, alegavam as autoridades, a lei não permite, e a lei está certa pois uma mulher que não é casada não tem maturidade nem valores para educar uma criança. Ela respondeu qualquer coisa como: "Eu não tenho valores para dar a esta criança porque não sou casada? Mas que valores ou perpectivas de futuro vocês oferecem a esta criança? Ser atropelada por um carro?"
No contexto português, apetece-me fazer as mesmas perguntas ao MST. Que futuro e que valores oferece o estado português a uma criança abandonada? Ir parar ao instituto casa Pia? O melhor é nem dizer mais nada. Creio que uma criança preferia ser acolhido por um casal homosexual do que viver num desumano orfanato. Uma criança educada por um casal homosexual não será necessariamente homossexual (e mesmo que fosse qual é o problema?), as coisas não são assim tão simples. Mas acho, sinceramente, que um sensível casal homossexual pode dar uma melhor educação a uma criança do que um orfanato ou um insensível casal heterosexual.
6 Comments:
A pior imagem que trouxe do Rio foi os miúdos a mendigar. Por mais que a pessoa esteja dessensibilizada em relação aos adultos que mendigam nas ruas de York (embora o drama nao seja menor e essa dessensibilização me deva envergonhar), a verdade é que com os miúdos nao dava para ignorar. Os pivetes, como os brasileiros os tratavam, eram míudos na casa dos 10. Às vezes estavam quietos nos passeios, apenas a pedir. Mas a surpresa foi que às vezes choravam. A primeira vez que vi um chorar, acelerei o passo e evitei olhar. A indiferença era de todos e eu naturalmente não ia ser excepção. Mas se para os outros a realidade já era um hábito, a novidade da situação a mim perturbou-me e claro, a imagem ficou. É de facto uma realidade trágica que sabemos existir, mas que acho necessário presenciar para a sentir. Recomendo ao MST uma visita a esses locais...Se mantiver o preconceito e achar que adopação por casais homosexuais é o pior dos males para aqueles miúdos...bem, então é com certeza um homem que deve achar que está no melhor dos possíveis mundos e por isso incapaz de contribuir para mundos melhores e alternativas melhores. Eu quero acreditar que não, até porque tenho consideração por ele... Zé
Escrevi "adopação" em vez de adopção :)))Zé
É como tu dizes. Umas vezes é pura indiferença e insensibilidade, outra vezes essa indiferença dissimula um sentimento de impotência: "eu sei que sofres, mas eu não posso fazer nada ou não sei o que fazer". A indeferença é sempre a atitute mais fácil, e é aquela que eu, se calhar infelizmente, tomo na maioria das vezes.
É que na maioria das vezes não há mesmo nada que possamos fazer para melhorar a situação. Somos mesmo muito limitados. O problem são aqueles que podem fazer alguma coisa e nada fazem, ou que contribuem para que uma determinada situação se agrave. No caso brasileiro, políticos corruptos que roubam milhões ao estado e não se preocupam com o povo que vive na miséria.
100 por cento de acordo...
Estou a fazer um workshop sobre Adopção, organizado pelo CDL da O.Advogados.
Lido com «colegas» que entendem que a homossexualidade é uma doença, que confundem homossexualidade e pedofilia, que chegam a citar o Papa Bento XVI para justificar o não alargamento da lei portuguesa sobre adopção possibilitando a homoparentalidade.
Se a desinformação reina num contexto de pessoas com alguma instrução, que dizer do resto da sociedade?
Desastrado é um adjectivo bem apropriado. POrque eu também em geral aprecio o que MST escreve. Parabéns pelo blog, que só agora descobri, via Glória Fácil.
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