sexta-feira, março 11, 2005

O Mito da Inovação

No Público de ontem saiu uma entrevista de Manuel Castells, o professor da universidade da Califórnia e especialista na sociedade de Informação, que foi a Lisboa para participar numa conferência organizada por Jorge Sampaio, "A sociedade em rede e a economia do conhecimento" (aqui). Manuel Castells é uma dos arquitectos da muito falada estratégia de Lisboa: a estratégia da UE face à inovação, delineada aquando da presidência portuguesa da UE. O editorial desta edição do Público, da autoria de José Manuel Fernandes, também fala sobre esta entrevista e do desafio da inovação em Portugal (aqui).

Para começar acho que há algum lirismo quando oiço falar em inovação. A inovação nasce da investigação ciêntifica, que é um trabalho desenvolvido por investigadores que são pessoas treinadas para este efeito. Como em todas as actividades, há investigadores mais talentosos, outros menos talentosos, mas a investigação, como qualquer outra actividade, requere treino e preparação. Na entrevista Manuel Castells usa a denominação de "inovadores", que eu não sei muito bem quem são. Manuel Castells diz "Para os inovadores o trabalho é um prazer, onde o jogo e a inovação se misturam. Ganhar dinheiro é a última das suas preocupações." José Manuel Fernandes pega nesta declaração e acrescenta: "Para os portugueses é ao contrário: o que conta é ganhar dinheiro e ter segurança no emprego, ter uma casa e carro à porta."

Eu estou a tirar uma graduação para investigação ciêntifica, trabalho em investigação e num ambiente de investigação. Mas não me considero um inovador, no meu departamento há investigadores brilhantes mas não sei se existe entre eles algum inovador. Gostaria de dizer ao senhores Castells e Fernandes que gostaria de seguir uma carreira de investigação ciêntifica, e, no entanto, como todos os portugueses, também gostaria de ter uma casa, um carro e alguma segurança no trabalho. A declaração de Castells é infeliz, o que Castels, provavelmente, queria dizer é que "as pessoas que trabalham no campo da inovação trabalham por prazer, e que põem o prazer no trabalho à frente do dinheiro, mas como todos as pessoas, gostam de sentir que são remuneradas de uma forma justa." Não creio que o dinheiro seja a última das preocupação dos investigadores, ainda no ano passado os professores do meu departamento (que inclui excelentes investigadores) fizeram greve, reclamando melhores condições salariais.

A estratégia de Lisboa é considerada hoje um fracasso. Um dos objectivos da estratégia, estabelecida em 2001, era a convergência com a competitividade e produtividade dos EUA. Na verdade, o que ocorreu foi divergência. Durão Barroso, na CE, e José sócrates, como PM em Portugal, pretendem ressuscitar a estratégia de Lisboa. Devo dizer que não espero grandes avanços em termos de inovação em Portugal, apesar desta redobrada atenção do poder. O problema da inovação em Portugal é cultural, um problema da sociedade como um todo. A inovação é uma coisa sensível, precisa do seu habitat próprio, não nasce assim sem mais nem menos. Para se conseguir bons níveis de inovação em Portugal, e dos consequentes frutos económicos, é preciso mudar mentalidades, é preciso pessoas competentes, é preciso lideranças fortes e capazes, é preciso criar um clima de confiança nas instituições. Enquanto muitos lugares de decisão em Portugal forem atribuídos com base no clintelismo, em vez do mérito, acho que não vamos muito longe.

Para finalizar deixo algumas excertos da entrevista do Castells, que eu gostei:
Não se evoluiu no desenvolvimento de novas formas de organização, não se mudou a saúde, a educação, a administração. Avançou-se nas redes de comunicações, o que é muito importante porque as redes são a infra-estrutura, mas é o mais fácil de fazer.

(...) cada cultura e cada sistema institucional têm de encontrar o seu próprio modelo a partir de um núcleo comum de princípios: o papel central das tecnologias de informação e comunicação e da inovação, o conhecimento como matéria-prima, a ideia de que o valor acrescentado está mais no processo do que o produto.