segunda-feira, março 07, 2005

Financial Times, um jornal de direita concerteza!

Já não tenho dúvidas, o Financial Times é um jornal de direita concerteza! Eu já via o "Financial" no nome do jornal como um forte indício, mas com o artigo de hoje, sobre a formação do novo governo português, as minhas dúvidas sobre a orientação política deste jornal passaram a certezas.

O artigo de hoje, da autoria do senhor Peter Wise, o correspondente do FT em Lisboa, mostra surpresa pela nomeação de Diogo Freitas do Amaral como ministro dos negócios estrangeiros (aqui 1, 2). Diz o FT que Freitas do Amaral é um antigo líder conservador e um crítico da invasão do Iraque liderada pelos EUA, o FT refere ainda que Freitas do Amaral chegou a comparar George W. Bush a um ditador fascista. O FT cita a reação do CDS/PP a esta nomeação: "pode prejudicar as relações próximas que existem entre Portugal e os EUA". O artigo do FT refere ainda que o novo governo inclui dois ex-membros do partido comunista português!

O senhor Wise, autor do artigo, demonstra alguma inocência em relação a Portugal e à forma como funciona a política neste país tão especial. O país é de facto tão especial que o senhor Wise demonstra até algum despeito. Senhor Wise, gostaria de lhe dizer algumas coisas sobre a política em Portugal e na Europa.
  1. As declarações do CDS/PP como partido têm que ser interpretadas com cuidado, senhor Wise. O CDS/PP é um partido muito traumatizado. Sofreu uma pesada derrota nas ultimas eleições, tendo perdido o seu líder. Apresenta, portanto, neste momento, o sintoma do cão sem dono, ou seja, não sabe se há-de ladrar, rosnar ou ganir, morder ou lamber, ser agressivo ou meigo. Este partido tem também o complexo do filho renegado em relação a Freitas do Amaral, um dos fundadores do partido. Portanto as declarações deste partido sobre Freitas do Amaral são sempre azedas, melindrosas, e sempre muito pouco racionais. O caso do CDS/PP é do foro psiquiátrico, senhor Wise. Como se faz com as declarações de todos os doidinhos, senhor Wise, o melhor é sorrir e dizer que sim acenando com a cabeça.
  2. Não é supresa que Freitas do Amaral se tenha oposto à invasão do Iraque, senhor Wise. Muitos outros políticos conceituados, por essa Europa fora, à esquerda e à direita, também se oposeram. A invasão do Iraque foi feita à margem do conselho de segurança das Nações Unidas, o que constitui uma violação do direito internacional, demonstra um profundo desrespeito pelas instituições, e abre um precendente perigosíssimo. Freitas do Amaral sempre respeitou as instituições, foi, aliás, presidente da assembleia geral das nações unidas. Muito lhe deve ter custado ver uma decisão tão séria como aquela, ser tomada de uma forma tão leviana à margem das NU, e por um conjuntos de países a quem se exige responsibilidade acrescida.
  3. Também não é supresa que o novo governo socialista (centro-esquerda) de Portugal seja composto por um ministro que foi líder de um partido conservador, e por dois ministros ex-comunistas. Talves seja surpresa para si, senhor Wise, que é britânico; eu compreendo, no seu país os partidos comunistas não têm expressão, e os partidos de centro-esquerda governam como se fossem partidos de centro-direita continentais. Mas na europa continental, e em especial no sul, as metamorfoses cromáticas são comuns, o espectro cromático, aliás, é mais diverso e cheio de contrastes. Em França, o governo socialista de Jospin era composto por vários ministros ex-comunistas e, até imagine-se, comunistas. Em Itália, Romano Prodi, o anterior presidente da comissão europeia, era de um partido democrata-cristão, agora é lider de uma coligação de centro-esquerda.
  4. Mas o político que mais "metamorfoseia", esquece o seu jornal de mencionar, é Durão Barroso, o actual presidente da comissão europeia. Durão Barroso é muito acarinhado pelo seu jornal, as sua políticas business-friendly são muito apreciadas nessa casa (aqui). Mas às vezes, no meio de tanto elogio, esquecem-se de mencionar aquilo em que ele é melhor: Durão Barroso é um autêntico e bravo camaleão. Foi de um partido de extrema-esquerda, depois mudou para um partido de centro-direita. Como ministro dos negócios estrangeiros, sempre defendeu o respeito pelas instituições e o direito internacional; mais tarde, como primeiro-ministro, reafirmou esta sua convicção, mas decidiu apoiar a invasão do Iraque. Recebeu um convite para assumir a presidência da CE quando era primeiro-ministro em Portugal, aceitou, mas deixou no lugar de primeiro ministro, que o povo português havia confiado a ele, um político que ele considera incompetente, que pensa de maneira muito diferente da sua, e que não dava quaisquer garantias de continuidade com o seu programa de governo.

12 Comments:

At 3/08/2005 12:37 da manhã, Anonymous Anónimo said...

Que o FT nunca foi um jornal de esquerda, é verdade; que tudo o que não é de esquerda, geralmente é de direita, também é regra! Contudo, porque não há regra sem excepção, não me parece que o FT seja assim tão parcial. Veja-se, por exemplo o artigo arrasador que George Parker escreve sobre os 100 dias de Durão: http://news.ft.com/cms/s/6e1c2bb4-8eae-11d9-8aae-00000e2511c8.html
Factos são factos, e sempre foi difícil enganar o FT por muito tempo; e não nos esqueçamos que é ao FT que Durão Barroso deve o glorioso epíteto de Mr Nobody!

 
At 3/08/2005 10:24 da manhã, Anonymous Anónimo said...

Verdade seja dita, essa escolha do Freitas tem muito que se lhe diga. O homem de facto nunca teve grandes ideologias e convicções, foi sempre de "centro". Mas aquele estilo mole não transmite a confiança a um governo que se quer com garra. E sejamos honestos, o homem vem apoiar o Sócrates antes das eleições e depois aparece como ministro, bem...em política não basta ser sério, é preciso parecê-lo.Zé

 
At 3/08/2005 11:04 da manhã, Blogger Nuno said...

Pedro,

Confesso que não tinha lido esse artigo. De facto não é muito meiguinho para o Durão Barroso. Eu, também, não tinha citado o artigo correcto do FT sobre Durão Barroso (agora já corrigi). Acontece que quando Durão Barroso anuciou a sua política económica para a EU, o FT comentou essa política com sendo muito positiva (FT, 2/2/05), não fazendo qualquer crítica a Durão Barroso ou ao seu passado político. Enquanto que o novo governo do PS ainda nem começou e já é criticado (de forma cândida é certo mas a crítica está lá) por ter dois ministros ex-comunistas. Se isto não é parcialidade o que é?

 
At 3/08/2005 11:08 da manhã, Blogger Nuno said...

Mas o Zé, tu pensas que o Sócrates e o Freitas do Amaral já tinham tudo combinado antes das eleições? "Tu apoias-me e eu dou-te um tacho, fica combinado assim?" Não nos vamos esquecer que o candidato do PSD era Santana Lopes, e que muita gente, à esquerda e à direita o considera incompetente. O Freitas do Amaral tem já um certo currículo político, não tem necessidade nenhuma de andar a pedinchar por um tacho.

 
At 3/08/2005 11:27 da manhã, Anonymous Anónimo said...

Por ter currículo, acho que não tinha necessidade de cair no erro de aceitar o convite. É difícil acreditar que o homem não é interesseiro. Mas concordo contigo que era quase consesual à direita e esquerda que o Santana era mau. Apenas acho que a este homem lhe faltou bom senso. Zé

 
At 3/08/2005 11:31 da manhã, Blogger Nuno Carneiro said...

Eu cá tenho a certeza que Freitas e Sócrates tinham um acordo. Não há almoços grátis e Freitas não ia dizer o que disse se não ganhásse nada com isso. Fair enough, nada contra. Só não percebo por que Sócrates aceitou. Freitas politicamente vale zero. Quanto ao Financial Times, claro que é de Direita. Quanto aos membros comunistas do governo, nada contra, mais uma vez. Alguns são competentes. Mas foi gente que assistiu à queda do muro de Berlim sem nunca admitir que estavam errados. Falta de honestidade, no mínimo.

 
At 3/08/2005 12:54 da tarde, Blogger Nuno said...

Nuno,

Se tens a certeza é porque deves saber alguma coisas que eu e o Zé não sabemos. Nós estavamos a discutir este caso sempre no campo das conjecturas. Dei o meu palpite com base naquilo em que eu acredito e no que me parece mais lógico, mas nunca me aventurei a ter certezas absolutas. Tu se o fazes é porque deves saber alguns factos que nós não sabemos, ou então és definitivamente uma mente iluminada que chega aonde mais nenhuma mente consegue chegar.

 
At 3/08/2005 4:23 da tarde, Blogger Milan said...

Tem sempre piada ver a percepção que os "outros" têm de nós, e então se se tratar de correspondentes de jornais estrangeiros que cá residem há vários anos, a coisa fica deveras deliciosa! Gostei de te ler. Devias mandar o post para o jornalista do "FT" :)

 
At 3/08/2005 4:30 da tarde, Blogger Milan said...

By the way... Vocês não imaginam o último escândalo com o CDS, ou se calhar já leram sobre isso por aí. Está toda a gente à espera que os correios entreguem na sede do PS o retrato de Freitas de Amaral, que era exibido, ao lado de outros líderes do CDS, na sua sede. Foi a última birra de Paulo Portas...

 
At 3/08/2005 5:48 da tarde, Blogger Nuno Carneiro said...

O que sei sobre Freitas e Sócrates sei porque não acredito em histórias da carochinha. Mas repito que não vejo mal nenhum nisso. Freitas deu o seu apoio, em troca recebeu algo. Nada mais simples. Mas já percebi que não sou bem vindo aqui, eu e os outros leitores da "Economist" (não leio o FT). Tudo bem, não volto a comentar. Espero que continuem a escrever; eu continuarei a visitar o vosso blogue, por que é muito bom e está bem escrito.

 
At 3/08/2005 6:07 da tarde, Anonymous Anónimo said...

O que faz a imprensa tendenciosa não é a publicação de conteúdos comprometidos,nem o viés político de quem escreve. O FT é um bom jornal; melhor dizendo: o FT é um excelente jornal, para o qual escrevem colaboradores sistemáticos, eventuais e miríades de de free-lancers e observadores britânicos e estrangeiros. É certo que toda esta gente escreve para quem se interessa por finanças,tem pouco tempo para ler, e tem as suas próprias opiniões sobre o mundo e sobre as coisas. O FT não industria nem engana, porque, quem o lê, simplesmente não se deixa enganar; e o FT é ele mesmo tão difícil de enganar(veja-se o Cherne)! Pragmático e por vezes cínico, sim; conservador, não.

A propósito de imprensa de qualidade, para quem cortou em 2002 a assinatura da (tendenciosa) The Economist, recomendo a mais modesta mas,cada vez melhor, Pospect:http://www.prospect-magazine.co.uk/landing_page.php.
PS: será o artigo de Lord Layard deste mês de direita ou de esquerda?

 
At 3/08/2005 6:11 da tarde, Blogger Nuno said...

Nuno Carneiro,

Então pronto, acreditas que é assim. Tudo bem, não tem mal nenhum! Mas quando dizes "tenho a certeza", estás a cometer um erro, porque só podes ter a certeza quando tiveres evidência suficiente. Portanto, se estás pronto a exigir aos outros que "admitam os seu erros", também seria bom que admitisses o teu.

Neste blogue são todos bem vindos. Queremos dar as nossas opiniões e criar um espaço de discussão. E tu também és bem vindo e podes dar a tua opinião também. Todos os comentários são bem vindos desde que não sejam ofensivos.

 

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