segunda-feira, março 28, 2005

Cannabis, psicose e esquizofrenia

A última edição da New Scientist traz um artigo muito interessante sobre o consumo de cannabis e a sua relação com a psicose e esquizofrenia (aqui). Este assunto saltou para a ribalta aqui no Reino Unido, após Charles Clarke, o ministro da administração interna, ter declarado a sua intenção de rever a decisão (tomada pelo seu antecessor no cargo, David Blanket) de descer a cannabis como droga de classe B para C (em termos prácticos, esta descida significa que a posse de cannabis passa a não ser considerada crime; esta descida já foi aprovada no parlamento britânico). Clarke defende a sua posição à luz dos novos dados científicos sobre esta droga e o seu efeito na saúde mental de quem a consome. Os dados científicos a que Clarke alude e outros, são discutidos com rigor pela New Scientist. Vale a pena ler o artigo, deixo aqui apenas um breve resumo.

Primeiro importa clarificar conceitos. Psicose é um sintoma de problemas mentais, caracterizada por alucinações visuais ou auditivas, mas não é uma doença; algumas drogas como os halucinogénicos e até a cannabis (se tomada em grandes doses num curto período) podem causar episódios psicóticos. A esquizofrenia é uma doença mental psicótica. Os pacientes desta doença podem ter crenças ilusórias como outrém está a ler a sua mente, ou que são muito ricos, poderosos, ou famosos; são incapazes de lidar com a vida diária, e a maioria deles nem tem consciência que o seu estado não é normal.

Vários estudos, efectuados desdes os anos 70, focam em grupos que fumam cannabis com regularidade desde a adolescência. A conclusão destes estudos é que existe uma grande percentagem de pessoas que sofrem de doenças psicóticas, como a esquizofrenia, e que foram consumidores regulares de cannabis enquanto adolescentes. No entanto, o ênfase dado a estes estudos tem vido a ser criticado, pois não se pode afirmar que o consumo regular de cannabis cause doenças psicóticas como a esquizofrenia. Na Austrália, um grupo colocou a hipótese: como houve um aumento substancial do consumo de cannabis na Austrália entre os adolescentes nos últimos 30 anos, então, se existe de facto uma relação casual, também deverá ter havido um aumento de casos de esquizofrenia. Esta hipótese foi refutada por este estudo: não houve um aumento de casos de esquizofrenia na Austrália nos últimos 30 anos, apesar do aumento no consumo de cannabis.

Um estudo mais recente toma em conta um novo factor: a predisposição genética para a esquizofrenia. Os resultados deste estudo foram mais claros que os anteriores. Em pessoas sem predisposição genética para a esquizofrenia, o consumo de cannabis pouco ou nada afectou a sua saúde mental. Em pessoas com média predisposição, o consumo de cannabis aumentou ligeiramente o risco de doença psicótica. Mas em pessoas com muita predisposição, o consumo regular de cannabis enquanto adolescentes, aumentou a probabilidade de desenvolver doença psicótica por um factor de 10.

O que estes estudos mostram é que o risco de deterioração da saúde mental se aplica a um conjunto reduzido de jovens que começam a fumar cannabis muito jovens. É necessário tomar medidas drásticas, do ponto de vista legislativo, por causa disso? As pessoas que são vulneráveis a problemas de fígado, têm um risco deterioração da sua saúde, mesmo bebendo álcool em pequenas quantidades. Alguém prevê alterar a legislação sobre o consumo do álcool por causa disto?

1 Comments:

At 12/06/2012 7:37 da tarde, Anonymous Anónimo said...

A mim foi-me diagnosticada esquizofrenia por uma psiquiatra ignorante, com cerca de 30 anos, depois de eu lhe aparecer no consultório e relatar um episódio psicótico que surgiu com o consumo de cannabis. Na altura eu tinha cerca de 21 anos, e os medicamentos que esta senhora me receitou deixaram-me de cama, num estado de pânico constante, tendo perdido a capacidade de controlar os meus músculos em várias zonas do corpo - dentes que rangiam com toda a força e involutariamente; o lado esquerdo do meu corpo que bloqueava por completo e consecutivamente, e total incapacidade de coordenar os meus movimentos como uma pessoa normal.
Ainda hoje estou a pagar o preço desse episódio e de todo o processo que se seguiu: mais psiquiatras, uma mãe em completa desorientação e desespero, anti-psicóticos, anti depressivos, ansiolíticos, tudo o que se possam lembrar. A mim, a psiquiatria destrui-me a vida, pois vi-me forçado a percorrer um caminho que me impediu de ser uma pessoa normal, socialmente integrada e profissionalmente bem sucedida.
Antes deste episódio, eu era um bom aluno, tanto na escola como na faculdade - não no nível do excelente, mas um miúdo atinado, que cumpria com as suas obrigações. Até ao momento em que todo o mundo à minha volta começou a fumar essa merda.
Hoje tenho 35 anos, tendo começado a trabalhar como fotógrafo apenas aos 28. E porquê? Esse episódio da minha vida destruiu por completo a minha auto confiança durante muitos anos, e inclusivamente a minha capacidade de decidir e escolher aquilo que era melhor para mim e para a minha vida. E com isso, destruíu muito provavelmente a maioria das minhas hipóteses de ter uma vida normal. Hoje sou saudável, mas quero encontrar um emprego, e embora me sinta bem, sinta que as minhas capacidades estão todas de volta - e não pare de procurar adquirir sempre mais capacidades e conhecimentos - com 35 anos, e com tão poucos anos de experiência no mercado de trabalho, ninguém me dá emprego.
Não fosse a minha família, e sobretudo a minha mãe, que me vai continuando a apoiar enquanto tento fazer alguma coisa com a minha vida, eu seria um desgraçado. Esses estudos e essas teorias, não passam disso mesmo: teorias. Ninguém sabe explicar o que é a esquizofrenia. E enquanto houverem jovens a passar por experiências como eu passei, sem terem ninguém com experiência de vida - e não só estudos - que saibam conduzi-las de novo ao seu caminho, hão-de haver muitos outros jovens, com estudos, com formação, tudo, a verem as suas vidas serem destruídas por este sistema hipócrita, e esse sim, esquizofrénico. Que insiste em querer mostrar saber aquilo que realmente não sabe, e destruindo a vida de muita gente.

 

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