sexta-feira, fevereiro 18, 2005

Querer e não poder

Estas eleições ficarão na minha memória com um sabor a desejo inconsumado. Vocês sabem ao que me refiro, aquele sentimento do querer e não poder. Não me interpretem mal, o meu problema não é sexual, mas sim político.

Deixem-me que vos explique o meu problema. Estou a viver no estrangeiro, mas ao olhos do estado português, no que a residência e votos diz respeito, resido em Portugal. Como tal, pura e simplesmente não posso votar nestas eleições, a menos que me desloque a Portugal para o fazer. O estado português é implacável nestas matérias!

No último natal, estive em Portugal. E já sentia este desejo, esta ânsia, esta vontade, de contribuir para que as coisas em Portugal mudem, e que melhor contribuição posso eu dar, como cidadão desse país chamado Portugal, do que votar.

Como bom cidadão civilizado decidi reagir. De imediato enviei um email para a CNE (comissão nacional de eleições), na esperaça de ainda ser possível fazer alguma coisa, na esperança de ser compreendido, na esperança de ainda poder votar. Contei-lhes o meu problema, mas a resposta foi uma desilusão:

Exmo Senhor,

Na sequência da questão formulada, cumpre informar que, o direito de voto é exercido presencial e pessoalmente pelo eleitor na respectiva assembleia de voto no dia da eleição, e, nesse sentido, não é admitida nenhuma forma de representação ou delegação, bem como, não é permitido o voto por correspondência para os recenseados no território nacional.

A situação que coloca não se enquadra no critério excepcional do voto antecipado (exercido antes do dia da eleição) (...)

Assim sendo, não existindo qualquer outra excepção prevista na legislação aplicável à eleição, resta, apenas, a alternativa do exercício do direito de voto na freguesia em que se encontra actualmente recenseado, no dia da eleição. Por outro lado, mesmo que pretendesse inscrever-se no Consulado teria que fazer prova da sua residência, e mesmo que o fizesse o processo de inscrição ou transferência no recenseamento suspende 60 dias antes do acto eleitoral, ou seja, suspendeu no dia 21 de Dezembro de 2004.

Estarei disponível para qualquer esclarecimento que se julgue necessário.

Com os melhores cumprimentos,

<>André Figueiredo
Gabinete Jurídico da CNE
Fiquei desolado, havia perdido a esperança. Pensei, mas quantos portugueses haverá como eu, neste mundo de hoje, inevitavelmente globalizado. Mas por é que temos que estar todo em Portugal para votar? Já não chega o Natal e o meu querido Agosto?

Foi-se a esperança, mas não a vontade. O desejo, esse, arde incessantemente dentro de mim. Sinto-me impotente. Quero fazer alguma coisa para que as coisas mudem, para que tudo não fique eternamente na mesma. Quero que Portugal tenha um primeiro-ministro que saiba representar condignamente os portugueses, que tenha uma visão daquilo que deve ser o país, com uma estratégia bem delineada para melhorar Portugal no plano económico e social. Quero que Portugal tenha uma lei de aborto, para que as mulheres possam ter o direito de escolha, e isto não é apenas a lei do aborto que está em causa, é, também, o princípio que qualquer pessoa deve ter o direito de livre escolha. Quero que se faça em Portugal uma efectiva descentralização, seguindo o princípio de que os centros de decisão devem estar mais perto das pessoas e dos seus problemas. Quero deputados que sejam verdadeiros representantes do povo que os elegeu, e não esta perversão da democracia que temos em Portugal, em que os deputados são escravos de um partido. Quero que Portugal seja um país moderno, civilizado e justo. Quero as pessoas certas nos lugares certos, com nomeações para cargos de responsabilidade feita com base em critérios de competência e sem ser corrompido pelo chamado jogo de influências, como sempre acontece — Ahhhhh, e eu que não posso fazer nada, se ao menos pudesse votar.

Mas vocês compreendem-me? Isto é terrível. Vou aos sítios de viagens, vejo o preços dos bilhetes. Até já pensei em voar com a RyanAir para o Porto, e daí ir de comboio para Lisboa. Mas é cansativo, é caro, não tenho tempo nem verba.

Os que me lêem e vão votar, façam-no com convicção. Não quero convencer ninguém, mas apenas expressar, aqui, a minha opinião. O PS, ao que tudo indica, irá vencer as eleições (aqui). Menos mal, é concerteza muito melhor que a situação actual, ou que um futuro governo liderado por Santana e legitimado democraticamente. Mas eu já não sou inocentezinho ao ponto de confiar inteiramente no PS. Quero mais reformas. Para aqueles que, como eu, querem mais reformas, para que Portugal possa atingir uma plataforma mínima de modernindade, a única forma de as garantir será votando no BE — o único partido que pode ser o catalisador da mudança num governo PS. Como diz o Miguel Esteves Cardoso, num artigo de opinião da revista sábado:
«É esse atraso – e o facto de o Bloco de Esquerda estar empenhado, nas actuais circunstâncias, em partir pedra multissecular para alcançar os mínimos modernos dessa dignidade – que me leva a recomendar que qualquer pessoa de direita que esteja momentaneamente desencantada com os partidos que procuram representá-la não hesite em votar no Bloco, se a alternativa for abster-se ou votar em branco. Por agora – mas só por agora...! – faz todo o sentido.»
Ai, como é fodido querer e não poder! Mas vocês compreendem-me?